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Criptoativos e exchanges: alguns desdobramentos e abordagem pelo judiciário brasileiro

Caracterizados pela volatilidade, os criptoativos se tornaram um popular objeto de investimentos mundo afora,atraindo investidores pela possibilidade de ganhos

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Criptoativos e exchanges: alguns desdobramentos e abordagem pelo judiciário brasileiro

Fernando Oliveira

Felipe Ferreira


Caracterizados pela volatilidade, os criptoativos se tornaram um popular objeto de investimentos mundo afora,atraindo investidores pela possibilidade de ganhos expressivos, como vem ocorrendo com o bitcoin – pioneiro e mais popular dos criptoativos –, cuja valorização está próxima de 100% no último ano.


Apesar da sua popularização e da sua visualização como fonte de riqueza, a verdade é que o mercado de criptoativos oferece sérios riscos aos usuários de plataformas que nele realizam negociações, custódia e até mesmo arbitragem. Isto porque, além da limitação de sua conversão em moedas oficiais – o que impacta a liquidez desses ativos – e da elevadíssima volatilidade, observa-se que as operações se realizam em um cenário cercado de incertezas, principalmente em razão da ausência de regulamentação sobre esse ambiente de negócios, com os agentes atuando em um verdadeiro “limbo” jurídico, muitas vezes sem observar a legislação aplicável ao mercado de capitais e de observação cogente em relação a outros produtos de investimentos.


Sob esse cenário, operadores passaram a vender produtos relacionados a esse mercado com a promessa de ganhos de capital em alta escala e em curtíssimo tempo, algumas vezes envolvidos na prática de ilícitos, como estelionato, pirâmides financeiras ou “esquemas Ponzi”. Essa situação chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por disciplinar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários no país, que passou a adotar uma postura mais ativa na fiscalização de agentes que supostamente atuassem com a finalidade de perpetrar fraudes e ilícitos de mercado.


Com isso, a CVM chegou, até mesmo, a temporariamente impedir a atuação de operadores de criptoativos no mercado de capitais, com fulcro no reconhecimento de práticas dissonante a regulamentação emanada pela autarquia. Neste sentido, observou-se a perpetração, por esses agentes, de oferta públicas irregulares de valores mobiliários, colocação irregular de contratos de investimentos coletivos, entre outras irregularidades, ressaltando um esforço da entidade em, de algum modo, buscar oferecer segurança aos investidores brasileiros desse segmento de ativos.


A difusão de notícias a respeito da aplicação de sanções pela CVM a muitos desses operadores alarma, principalmente, os investidores. Nesse cenário, a opção de muitos tem sido retirar os ativos – seja moeda fiduciária ou criptoativos – depositados na plataforma sancionada, dada a preocupação com a segurança de seus investimentos.


No entanto, essa atitude, muitas vezes, gera solicitações desenfreadas de saques para os mantenedores dessas plataformas, o que, por sua vez, prejudica a capacidade de liquidação de tais demandas e, em muitas oportunidades, gera um descumprimento da ordem de saque ou o desrespeito ao prazo para disponibilização dos recursos fixado nos termos de uso ou em instrumento particular celebrado com a própria plataforma.


Diante dessa pretensão resistida, surge a dúvida para o usuário investidor em como fazer valer o seu direito de contar com a disponibilização dos valores de sua propriedade. Diga-se, aliás, que essa incógnita é fundada em um temor de que a propositura de uma demanda judicial, por exemplo, seria medida inábil a compelir o cumprimento da obrigação de saque, dada a complexa realidade do mercado de criptoativos, bem como ao fato de que os recursos a serem pleiteados envolvem os próprios criptoativos, levando os usuários, até mesmo, a crer que o Judiciário não tutelaria essas situações, seja por desconhecimento ou por ausência de regulamentação dessas transações.


A prática forense, contudo, nos mostra que os magistrados vêm inclinando-se de maneira favorável aos investidores, condenando as gestoras de criptoativos a restituir os próprios criptoativos ou, mesmo, a quantia referente a cotação desses. Para tal, reconhece-se que a interrupção momentânea dos serviços pela CVM não tem o condão de eximir as gestoras de descumprirem a sua obrigação contratual de disponibilizar os valores depositados em um prazo determinado, havendo uma série de sentenças judiciais nessa linha (veja-se, por exemplo: processos nº 1093755-91.2019.8.26.0100[1], 1109865-68.2019.8.26.0100[2] e 0029444-57.2019.8.26.0602[3], todos em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP).


Inclusive, em face da apuração de irregularidades por esses operadores no mercado de criptoativos pela CVM, há ações que versam sobre eventuais fraudes praticadas pelos administradores das sociedades empresárias as quais operam com esses ativos, tomando como base tais investigações. Dessa forma, nos autos da ação nº 1023566-60.2019.8.26.0562[4] (TJ-SP), um sócio de uma gestora de criptoativos foi pessoalmente responsabilizado pelo descumprimento contratual sob essa lógica, guarnecendo de maneira ainda mais estrita os interesses dos investidores.


Do exposto, vemos que a tecnologia introduz novos produtos e impacta, até mesmo, o mercado financeiro, dado o acesso dos usuários a novos objetos de investimento, como os criptoativos, os quais podem significar fonte interessante de riqueza. No entanto, a disruptividade desses ativos gera uma situação de incerteza pela ausência de regulamentação e, mesmo, pela volatilidade intrínseca a esses, o que enseja práticas fraudulentas, desguarnecendo os interesses e direitos dos usuários de serviços de operadores desse mercado.


Por outro lado, as autoridades estatais já estão atentas para essa nova realidade, a ela se adaptandoe exercendo relevante papel, principalmente por meio do Judiciário, na afirmação dos direitos desses investidores ao garantir a restituição do patrimônio – independente de quantificado em criptoativos - a que têm direito.

[1] 17ª Vara Cível - Foro Central Cível da Comarca de São Paulo/SP - Réu: Atlas Serviços Em Ativos Digitais

[2] 45ª Vara Cível - Foro Central Cível da Comarca de São Paulo/SP - Réus: Atlas Serviços Em Ativos Digitais; Atlas Proj Tecnologia Eireli e Atlas Services – Serviços de Suporte Administrativo e de Consultoria Em de Gestão Empresarial Ltda

[3] Juizado Especial Cível Anexo FADI - Foro da Comarca de Sorocaba/SP - Réu: Bitcurrency Moedas Digitais S/A

[4] 2ª Vara Cível - Foro da Comarca de Santos/SP – Réus: Atlas Serviços Em Ativos Digitais; Atlas Proj Tecnologia Eireli; Atlas Services – Serviços de Suporte Administrativo e de Consultoria Em de Gestão Empresarial Ltda; e Atlas Quantum Serviços de Intermediações de Ativo Ltda

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